Aumentando a qualidade do piloto. POR SIVUCA
Então Joãozinho decidiu aumentar a qualidade de seu vôo. Como há muitas variáveis e fica meio difícil saber por onde começar, dividiu o universo do vôo em três setores principais: Piloto, Condição e Equipamento.
Uma divisão bem básica, mas capaz de sintetizar praticamente todas as variáveis e ajudar a compreendê-las separadamente. Uma simples questão de técnica organizacional.
Joãozinho sorteou e resolveu começar pelo “equipamento”. Começou a investigar as coisas que lembrou que pudessem estar relacionadas a este setor, para tanto fez uma lista de perguntas para si mesmo:
- O equipamento que estou voando está em reais condições de uso, revisado e atualizado ou está cheio de remendos e com linhas possivelmente desgastadas e com comprimentos misteriosos?
- O tratamento que dispenso ao meu equipamento realmente ajuda na sua conservação ou largo ele o dia inteiro tomando sol na rampa e garoa no pouso?
- O equipamento que utilizo para voar corresponde ao meu nível técnico permitindo que eu sempre voe com um nível de stress baixo ou a cada vôo preciso rezar dez Avemarias para que ele não desabe sobre minha cabeça?
- Sinto-me realmente confortável em minha selete ou ela está causando uma trombose nas minhas pernas e dores nas costas e Abdômen?
- Meus mosquetões chocaram-se contra o solo duro e eu não os substituí?
- A abertura ou não de meu pára-quedas de emergência é um mistério ou tenho certeza de que se precisar dele tudo vai funcionar direitinho?
- Os tirantes, mosquetinhos, acelerador, alças e zíperes estão recebendo a devida atenção antes de cada decolagem e depois de cada pouso?
- Caso eu pouse em um lugar inesperado, estou preparado para enfrentar sede, frio ou o cobrador do ônibus?
O próximo item foi “Condição”. Joãozinho criou novas perguntas, quando ele não sabia a resposta, ficava bastante preocupado:
- Os ventos que escolho para decolar tornam minha decolagem mais perigosa ou difícil ou isto raramente me causa problemas?
- Estes ventos que escolho para voar são constantes e sofrem poucas rajadas ou podem aumentar repentinamente sem muito aviso?
- O vento realmente vem de frente na decolagem ou hoje ele está meio “latero-caudal-rotorizado”?
- O céu sobre minha cabeça é realmente previsível, com nuvens mais ou menos do mesmo tamanho, como flocos de algodão ou elas são mais escuras e misteriosas, do tipo que vai chover a qualquer momento?
- A quantidade de pilotos voando permite que eu voe tranquilamente ou pode elevar meu nível de stress por medo de me chocar contra outro parapente ou asa?
- Após decolar, tenho certeza de que meu vôo será tranqüilo e administrável ou existem chances de térmicas violentas aparecerem para tornar tudo mais complicado e assustador?
- Da decolagem posso visualizar o pouso e tenho certeza de que consigo fazer a aproximação tranquilamente e pousar sem maiores ocorrências ou isto tudo está nas mãos de Alá, de Iemanjá, do Santo Expedito, de Jesus, de Maomé, de Buda ou até mesmo de Deus?
- Tenho certeza de que não há fios ou outros obstáculos nos possíveis caminhos que pretendo escolher para pousar?
Finalmente Joãozinho procurou fazer algumas perguntas a respeito da questão “Piloto”.
- Sinto-me bem física e emocionalmente para fazer este vôo ou o mal estar da balada de ontem me deixou meio pra baixo?
- Quero decolar logo para não ter que ficar olhando para a cara daquele palhaço que eu odeio?
- Tenho habilidade para inflar meu parapente suavemente ou a cada puxada nos tirantes, meia dúzia de linhas costumam enganchar nas pedras, além de ter a mania de fazer virar de cabeça pra baixo e bater o bordo de ataque contra o chão?
- Quando estou voando sinto prazer ao simplesmente estar com os pés longe do chão ou o prazer só vem quando meu coração dispara ao passar raspando numa parede ou virando de cabeça pra baixo?
- Antes de cada decolagem, procuro fazer um plano de vôo, imaginando todas as possibilidades que me são oferecidas e quais seriam as atitudes corretas e alternativas a serem tomadas ou simplesmente decolo e deixo tudo acontecer?
- Eu seria capaz de administrar um incidente de vôo como um colapso ou um estol inadvertido, por exemplo?
- Sou capaz de perceber um estol ou um colapso antes que ele aconteça e agir a tempo de evitá-lo?
- Quando vôo, preocupo-me se as pessoas na rampa ou no pouso estão me observando ou me fotografando ou esqueço que eles existem?
Joãozinho sabia que havia mais uma infinidade de questões que poderiam ser feitas e formas mais interessantes e completas de fazer as questões que ele havia criado, mas o que mais interessava era respondê-las.
Joãozinho adotou um método, deveria responder a cada uma das questões concentrando-se exclusivamente no seu enunciado, sem se preocupar com a próxima questão. Na medida em que Joãozinho foi escrevendo as respostas, percebeu que algumas delas pareciam completa novidade, como se ele jamais tivesse pensado a respeito daquele assunto anteriormente, era como se outra pessoa tivesse escrito as questões.
O mais surpreendente é que conforme Joãozinho lia suas respostas, percebia com uma clareza inédita o quanto ele precisava melhorar para atingir a qualidade almejada.
As questões tratavam de assuntos isolados, que muitas vezes pediam modificações pequenas na sua forma de agir e pensar, mas que no contexto geral, possuíam um significado muito amplo. Outras, por sua vez representavam risco de vida se não fossem corrigidas a tempo. Joãozinho percebeu que involuntariamente agia muitas vezes em prol de sua própria destruição.
Joãozinho viu que como “analista de pilotagem” ele podia enxergar o piloto que havia dentro dele de um ângulo novo, que nunca havia sido explorado. Claro que tudo exigiu tempo, dedicação e principalmente vontade, mas ao final de alguns poucos meses, para dizer a verdade, a partir do final de semana seguinte, Joãozinho descobriu que ele já estava se tornando um piloto melhor, mais seguro, de melhor qualidade.
E você, Joãozinho?
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